O ERRO

As escolas enfrentam o chamado “desafio da diversidade”: por um lado, são chamadas a respeitar a diversidade, por outro lado, são incumbidas de assegurar o sucesso para todos os alunos. Enfrentam ainda um problema de grande magnitude que consiste precisamente no facto de as comunidades e as instituições rejeitarem liminarmente a relatividade do conceito de sucesso, sendo então a escola responsabilizada pelo respeito pela diversidade num ambiente cultural e organizacional que pratica um conceito absoluto de sucesso: o sucesso académico, na sua versão mais conservadora.

Perante a complexidade deste desafio, as soluções menos complexas e que, por isso mesmo, não lhe respondem satisfatoriamente, são soluções remediativas que se limitam a pôr em evidência a própria conflitualidade que existe entre o respeito pela diversidade e a manutenção de um conceito absoluto de sucesso escolar. Os próprios percursos curriculares alternativos, sendo uma solução para a ineficácia das estratégias de ensino e aprendizagem, são um remédio que reforça a ideia e a prática de que a diversidade se define a partir de um conceito não relativizado de sucesso escolar.

Por muito esforço que se tenha feito no sentido de retirar a Educação Especializada do conjunto de soluções remediativas, a verdade é que a indefinição das políticas nacionais e a ausência de um rumo inequivocamente centrado na construção de escolas inclusivas constituem forças antagónicas muito bem consolidadas nas práticas das escolas e até de professores de educação especial e de algumas ECAEs. Algumas correntes de pensamento académico, apesar de se afirmarem de natureza inclusiva, reforçam ainda mais esse antagonismo, integrando no conceito de educação especial muitas e diferentes modalidades de apoio supletivo, muito frequentemente, por recorrerem a traduções literais, não culturais, portanto, de textos anglo-saxónicos.

As respostas graduais às necessidades específicas dos alunos e a cultura de uma abordagem gradual na organização dos apoios educativos constituem modelos experimentados de planificação e de intervenção que superam uma boa parte das contradições, que resultam da detecção da ineficácia das estratégias remediativas e dos erros graves que se cometem, sempre que, para prevenir estratégias remediativas, se tomam medidas de educação especializada, sem uma avaliação educativa rigorosa.

Por outro lado, o modelo de abordagem gradual às necessidades educativas compatibiliza-se facilmente com uma organização do conjunto dos processos de gestão da intervenção educativa, sendo possível definir com clareza as atribuições, competências e responsabilidades dos professores, dos coordenadores dos Núcleos de Apoio Educativo, da Escola no seu todo, e dos Serviços das Direcções Regionais. Os diferentes patamares, definidos nessa abordagem, podem mesmo ser diferentemente distribuídos pelos intervenientes em diferentes circunstâncias.

Reportando-me aos estudos e publicações do “Centre for Special Needs and Studies in Inclusive Education” (CSIE – UK), divido em cinco patamares essa abordagem gradual:

1.                      Identificação – O professor ou director de turma identifica a criança com qualquer tipo de dificuldade, após terem sido promovidas oportunidades diferenciadas de aprendizagem;

2.                      Acção da Escola – Após ter informado os pais a respeito dos problemas detectados, o Coordenador dos Apoios Educativos recolhe todas as informações relevantes a respeito da criança, incluindo as dos pais; organiza com a colaboração dos seus colegas um Plano Educativo a executar pelos professores do aluno.

3.                      Acção da Escola “PLUS” – O coordenador solicita a colaboração de especialistas externos à escola para se aconselhar e propor medidas mais adequadas, ainda da responsabilidade dos professores do aluno;

4.                      Avaliação Especializada – É estudada a necessidade de uma avaliação, eventualmente conducente à elegibilidade para apoio educativo especializado;

5.                      Elegibilidade e Programa. – De acordo com a avaliação, é elaborado um Programa Educativo, identificando os intervenientes, as medidas educativas e outras que sejam consideradas necessárias.

Estes passos podem ser flexibilizados quando estamos perante alunos, cujas deficiências e limitações são de natureza muito óbvia. Em todo o caso, é retomada a exigência de abordagem gradual, sempre que um aluno com deficiência revele outras dificuldades comuns a alunos sem deficiência (por exemplo, um cego precisa de educação especializada para superar as barreiras que lhe são impostas pela cegueira, mas, tendo dificuldades de aprendizagem escolar, é sujeito ao mesmo procedimento de todos os alunos com essas dificuldades).

Do meu ponto de vista, os três primeiros patamares devem situar-se na acção exclusiva da escola e do Coordenador do Núcleo dos Apoios Educativos (CNAE); o Conselho de Acompanhamento, constituído pelos CNAE de uma zona determinada, deve ser responsável pelos dois últimos, garantindo-se aferição de critérios e cooperação entre escolas e CNAE mais experientes e escolas e CNAE menos experientes.

De acordo com a minha avaliação da situação, as Escolas, CNAE e Conselhos de Acompanhamento não possuem condições para promover programas de grande exigência e que precisam urgentemente de ser melhorados: os programas de apoio à multideficiência, ao autismo, à deficiência visual e programas de intervenção precoce e de transição para a vida adulta; outro programa, o de apoio a alunos surdos, precisa de ser sustentado de forma a continuar a evoluir em qualidade.

Estes programas devem ser dinamizados a partir de técnicos colocados em estruturas da DREN de proximidade às escolas.

Numa outra abordagem, importa também garantir o mínimo de credibilidade nas políticas de inclusão educativa, apesar dos constrangimentos e dificuldades associadas àquilo que considero ter sido uma má opção relativamente aos quadros da educação especial. Não devendo ser esta uma mera opinião ou uma crença pessoal, importa referir os dados em que me fundamento para descrer das opções seguidas.

Os dados mais objectivos são-nos fornecidos, neste domínio, pela análise comparativa de sistemas educativos europeus. Vejamos então dois modelos:

1.                     O dos países do Norte da Europa: A formação dos professores capacita-os para acompanhar os alunos dos 6 aos 16 anos. Os sistemas educativos beneficiam de poderosos elementos de racionalidade, associados a esta opção. Com efeito, qualquer professor adicional, ou sem trabalho lectivo atribuído, poderá apoiar qualquer aluno em qualquer fase da sua vida escolar, entre os 6 e os 16 anos. Logicamente, os docentes de educação especial encontram-se na mesma situação. A sua formação especializada é compatível com as exigências de formação profissional geral. Embora se compreenda a atracção deste modelo, ele só é compreensível se for um modelo para todo o sistema educativo. Sendo só para a educação especial, o modelo tem efeitos mais perniciosos do que benéficos, na medida em que desvaloriza a formação inicial do docente, potenciando práticas segregadoras, resultantes da criação de um conjunto de professores tão especiais que dispensam ser bons na área para a qual se profissionalizaram em primeira opção. Esta tendência é mais fácil de compreender, se analisarmos os sistemas que desenvolveram formações específicas para a educação especial, não coincidentes com a formação geral dos docentes.

2.                     O dos países do Centro da Europa: Neste modelo, a formação para a educação especial é distinta da formação geral de professores para a educação regular. A educação especial foi concebida como uma espécie de “nível de ensino” para o qual alguns professores eram e são ainda preparados. Não tendo preparação para trabalhar no ensino regular, estes professores só podem exercer funções no “nível de ensino” para o qual foram preparados, isto é, nas escolas especiais. Compreende-se assim a razão pela qual nesses países e também em alguns do Norte da Europa (que também desenvolveram este modelo durante um certo tempo) é indispensável discutir tanto a reconversão dos recursos das escolas especiais, para que possam cooperar com as escolas regulares. Antes de mais, esses professores especializados necessitam de ser acreditados para trabalhar em escolas regulares, ou então resta-lhes a solução de se constituírem como um conjunto de recursos externos às escolas. Este modelo, que autonomiza a formação especializada em educação especial da formação geral dos docentes é particularmente reactivo a qualquer tentativa de integração escolar e de inclusão, na medida em que práticas integradoras implicam uma desvalorização dos professores especializados. Daí, a tal necessidade de os reconverter, a que atrás se faz referência, para os capacitar para a prática da integração escolar e inclusão.

 

Do meu ponto de vista, a questão central, para o sistema educativo português, relaciona-se mais com a compatibilização da formação especializada com a formação profissional dos professores do que com qualquer outro dos aspectos. Com efeito, de nada adianta recorrer ao modelo nórdico, se isso não corresponder a uma reformulação prévia do conjunto da formação dos professores; não sendo definida esta prioridade, Portugal adopta o princípio que tantas dificuldades tem criado à implementação de políticas de integração e inclusão em alguns países europeus, isto é, o de a formação especializada em educação especial não corresponder à formação profissional para a educação regular. Pode ser que esteja enganado, mas os dados disponíveis confirmam que efectivamente quanto maior for a discrepância entre as duas formações mais difícil se torna promover políticas de inclusão.

O FRACASSO

INSUCESSO DAS ESCOLAS ESPECIAIS
Mike Oliver: “Does special education have a role in the 21st century?”, 1995

“Na maior parte dos países, durante praticamente todo o século XX, a educação de crianças com deficiências foi organizada em estruturas separadas, segregadas e especiais. A história deste modelo corresponde à história do mais abjecto insucesso que se possa imaginar, quaisquer que sejam os critérios a partir dos quais a julguemos. Se dissermos que o propósito deste modelo foi o de assegurar uma educação equivalente à das pessoas sem deficiência, falhou. Se dissermos que o seu propósito era o de garantir uma base para a integração e a participação na sociedade das crianças deficientes na idade adulta, falhou. Se dissermos que o seu propósito era o de providenciar uma modalidade especial de educação que respondesse às necessidades especiais das crianças com deficiência, falhou mais uma vez.
Não é minha intenção fazer criticas “light”, nem tenciono utilizar este fracasso como uma oportunidade para “bater” nos responsáveis pelo sistema. O fracasso foi desastroso para todos nós. Foi desastroso para todos nós que pagamos impostos para suportar um sistema que socializa crianças para uma dependência a longo prazo. Foi desastroso para essas crianças que foram socializadas vivendo e continuando a viver vidas empobrecidas e restritivas. Foi desastroso para muitos profissionais empenhados e imaginativos que dedicaram as suas vidas profissionais a um sistema que, em última instância, manteve a grande maioria dessas crianças fora da sociedade, mais do que as integrou.”

A DESCONSTRUÇÃO DA TOTALIDADE DO SISTEMA

“Este fracasso atingiu uma extensão tal, que só uma completa desconstrução da totalidade do empreendimento da escola especial poderá assegurar a reconstrução da educação especial no século XXI, de forma a promover a emergência de um empreendimento que nos capacite, nos liberte e integre a todos. Aquilo de que estou a falar é de um primeiro passo nesta jornada; uma jornada, na qual todos nós, pessoas com deficiências, profissionais, políticos e cidadãos devemos embarcar. Se o prospecto de uma tal jornada nos parece transmitir a ideia de uma longa caminhada, então será aconselhável lembrar as palavras do Presidente Mao quando disse “a mais longa caminhada começa com o primeiro passo”.
Este fracasso deu origem a reformas do sistema de educação especial em muitas partes do mundo. Na Grã-Bretanha deu origem ao Warnock Report (DES 1978); na Irlanda, deu origem à recente publicação do relatório do Comité para a Reforma da Educação Especial (1993). Há muito em comum nestes relatórios e partilham a mesma ideia base: o actual sistema que necessita de ser melhorado. Durante muitos anos, tive muita simpatia por esta ideia. Com efeito, eu próprio trabalhei para esse tipo de reforma e assinei mesmo um dos relatórios publicados (ILEA 1985).
Já não acredito que semelhante “caldeirada” , por mais radical que se apresente, seja bastante para remediar os fracassos massivos das escolas especiais, a que temos assistido nos últimos cem anos. Vou mais longe e sugiro nem mais nem menos do que a desconstrução radical da educação especial e a reconstrução da educação na sua totalidade; só esta caminhada será suficiente, mesmo que para tal precisemos de outros cem anos”.

DESCONSTRUÇÃO DA ESCOLA E DAS RESPOSTAS DOS PROFESSORES

“A maior ambição educativa da actualidade é aquela que sugere que as escolas devem mudar de forma a responder a crianças com necessidades especiais. Os tipos de mudança necessários dizem respeito à criação de departamentos para as necessidades especiais, a criação de serviços de apoio internos e externos à escola, o desenvolvimento de políticas escolares globais e a implementação de políticas de integração para todas as autoridades educativas. Estas mudanças organizacionais precisam de ser planeadas com antecedência e adequadamente dotadas de recursos com uma visão clara das metas e objectivos necessários para alcançar a integração.
Na justa medida em que os professores devem ser envolvidos, assume-se normalmente que os professores necessitam de adquirir conhecimentos extra e diferentes competências de forma a facilitar o processo de integração. Mudanças na formação inicial e na formação contínua de professores têm de reforçar esta tendência integradora. O problema é que, para além da melhoria de conhecimentos e competências a que deve aceder qualquer professor que vai trabalhar numa nova área, não é fácil definir que novos conhecimentos são esses que devem ser adquiridos para promover a integração.”

RECONSTRUÇÃO DA ESCOLA E DAS RESPOSTAS DOS PROFESSORES

“A reconstrução da escola implica alterações fundamentais que vão para além das mudanças organizacionais e profissionais. A reconstrução na base do direito à inclusão exige que se proceda a mudanças no “ethos ” da escola, que a devem conduzir a transformar-se num ambiente realmente acolhedor para todas as crianças; (exige igualmente) que não se questionem os direitos de quem quer que seja e que as mudanças organizacionais façam parte da aceitação e compreensão do facto de que o propósito das escolas é educar todas as crianças, e não só aquelas que se encaixam em critérios selectivos impostos pelos governos, pelos grupos profissionais ou pelas próprias escolas."

ONDE ESTÁ A CONFUSÃO

Na Europa, os países nórdicos, desenvolveram um sistema educativo que se está a revelar racional e eficaz, por enquanto. Uma das suas características relaciona-se com o facto de os docentes serem preparados profissionalmente para acompanhar alunos dos 6 aos 16 anos. Os modelos de apoio à aprendizagem e de educação especial são muito beneficiados com esta concepção e prática da formação de professores: havendo necessidade, qualquer professor pode apoiar qualquer aluno em qualquer fase da sua vida escolar, entre os 6 e os 16 anos. Em Portugal, as condições do sistema educativo e da formação dos professores não permitem esta flexibilidade. Entendeu-se, portanto, que essa rectificação deveria ser realizada, não no sistema geral, mas no sistema de educação especial: os professores de educação especial são colocados independentemente da sua formação profissional de base, podendo um educador de infância trabalhar com alunos do 3º ciclo, e professores do secundário trabalhar com crianças de Jardim de Infância. O que acontece e torna ridícula esta opção é que as vantagens do sistema nórdico têm mais a ver com os professores "do regular" do que com os "do especial". As vantagens relacionam-se com a possibilidade de promover sistemas gradativos de apoio, inicialmente assegurados por professores regulares, e, só em casos verdadeiramente justificados, assegurados por docentes especializados. Ao optar-se pela perspectiva que coloca no centro a especialização do docente, o que acontece é exactamente o oposto do desejável: os professores do regular serão automaticamente considerados incapazes de providenciar o apoio a alunos com dificuldades (nem sequer estão capacitados para leccionar alunos de qualquer idade…, quanto mais alunos com deficiências). Reforça-se portanto a ideia de que a qualidade da educação não depende da formação geral dos professores, mas exclusivamente da sua formação especializada, o que me parece ser um enorme disparate.

Por outro lado, os modelos que separam a formação geral do professor da formação especializada para a educação especial são modelos que dificultam seriamente a integração escolar dos alunos com qualquer tipo de problema. São conhecidos os trabalhos que visam compatibilizar modelos construídos para segregar, com políticas integradoras e de inclusão. Na maior parte dos casos, sugere-se a rentabilização desses docentes e técnicos especializados que trabalham em escolas especiais, para se constituírem como recursos de apoio às escolas regulares. Em Portugal, está a fazer-se um esforço enorme para destruir as estruturas existentes de apoio à integração e inclusão de alunos com problemas, só para podermos falar como falam os países do Centro da Europa a respeito deste assunto. Só que, para chegar aos problemas deles, vamos precisar de muitos e muitos anos e de enormes investimentos, para depois recomeçar tudo de novo e destruir o modelo criado com tanto sacrifício. Para começar, precisaríamos de fazer "reboot" a toda a formação especializada, depois teríamos de investir em escolas especiais e só então poderíamos rentabilizar os seus recursos para apoiar as escolas regulares.
 
É claro que existem soluções alternativas:
1. A primeira coisa a fazer: definir com clareza o que se pretende do sistema educativo. Por exemplo, vamos adoptar o sistema nórdico ou algo semelhante, como eu defendo? Então vamos reorganizar todo o sistema de formação de professores. Daqui a alguns anos, teremos, se as políticas forem consistentes, uma nova e melhor realidade.
2. A segunda coisa a fazer: definir com clareza, para o conjunto do sistema, as medidas de transição compatíveis com esse modelo de futuro. Por exemplo: a reorganização da rede escolar do 1º ciclo é uma boa iniciativa, tal como o é a obrigação de os docentes dedicarem mais do seu tempo à escola. Outra seria o investimento na formação contínua dos professores de acordo com prioridades políticas de reconversão da sua formação.

3. Revogar todas as medidas (como as que dizem respeito à constituição dos quadros da educação especial) que não apostem na reorganização global do sistema e que acentuem a incapacidade de qualquer professor para apoiar qualquer aluno que demonstre dificuldades.

CONFERÊNCIA SOBRE INTERVENÇÃO PRECOCE

Dear ISEI Members,

I am pleased to announce that the International Society on Early Intervention (ISEI) will hold its 2nd conference at the University of Zagreb in Zagreb, Croatia, June 14 – 16, 2007. We will be participating as part of an important international conference entitled “7th Scientific Conference on Research in Education and Rehabilitation Science.” Details of ISEI participation and a Call for Papers will be sent to all ISEI members in the next few weeks.

Please hold the date and consider attending our 2nd ISEI Conference.

Best regards,

Michael J. Guralnick, Ph.D.
Chair, ISEI

SE DEUS EXISTE, É O DIABO (a propósito da guerra santa)

Aqueles, que desejam a felicidade e têm a sorte ou o engenho de ter um pouco dela, sabem que a felicidade não existe. Não existe nem pode ser reduzida a algo que exista. Não são felizes aqueles que acreditam que a felicidade é aquele momento ou aquela pessoa que recordam com saudade. Nem sequer aqueles que pensam que a felicidade é o momento presente, ou a pessoa, ou a coisa que se encontram agora ao seu alcance. Esta é a forma mais simpática de se ser infelz. A felicidade pode ser um sentimento, um pensamento, um conceito, ou um conjunto de tudo isso, mas não existe, no sentido que nos permita defini-la e estabelecer os seus contornos. Podemos dizer que a felicidade é, que é um bom monte de coisas, mas nunca será nenhuma delas. Por isso, não existe como existem as coisas. Limita-se a ser o que é, sem alguma vez aceitar a concessão de existência. Existir seria deixar de ser o que é, e isso pode ser muita coisa, mas muito bom não é com certeza. À felicidade não lhe convém existir, para que seja o que é.
Tal como a felicidade, Deus não existe. Os crentes que fundamentam a sua crença nas provas de existência de Deus são muito pouco crentes. Crentes são aqueles que acreditam em Deus, mesmo sabendo que não existe. A Deus não lhe convém a existência, para que continue sendo. Neste sentido, os ateus são muito mais crentes e respeitadores da ideia de Deus do que muitos dos crentes que andam por aí a proclamar as glórias divinas. Se Deus existisse, com toda a sabedoria que lhe é própria, natural seria que lhe fosse cobiçado o lugar de saber e poder absolutos. O absolutismo de Deus seria naturalmente relativizado. É a existência de deus que implica a do diabo. Ora, a simples ideia de diabo é absurda, havendo Deus.
Os fanáticos religiosos desenvolveram a suas crenças a partir da existência de um deus. Esse deus pode não ser o mesmo para todos, pelo simples facto de existir. Assim, esperam alguma vez falar com ele, com o seu deus, para que ele os compense pela dedicação que lhe devotaram. O deus dos fanáticos é alguém, superior, é certo, mas muito mesquinho, capaz mesmo de ficar danado por haver alguém que adore um deus que não é ele. É este deus, fraco e com falta de auto-estima, o deus dos fanáticos, que quer a guerra santa. Esse deus existe, de facto, mas não é Deus. É algo que os homens adoram e a que erradamente dão o nome de Deus, por ser inconfessável o motivo da sua adoração.
Deus não  existe, e não sei se é. Mas se for, não é seguramente o que dizem dele.
O fanatismo, religioso ou outro, é tão só um excesso de dopamina, ou um desequilíbrio entre a dopamina e a serotonina. Para acabar com ele, basta-nos fazer rebentar um bomba de serotonina na proximidade desses fanáticos. Não morrerão por isso, e ficarão felizes. Já nada os impedirá de contar anedotas a respeito das virgens que os aguardam, a eles e à sua alucinação, após o rebentamento de bombas suicidas. Que hão-de elas fazer? Não faltarão ex-fanáticos a espreitar à esquina da rua para as ver a fazer entregas de bilhas de gaz ao domicílio. Aquelas que comprem um poço de petróleo, terão a vantagem de fazer a entrega das suas próprias bilhas. 
E o mundo será feliz, tanto quanto o permitir a felicidade que também não existe, mas que é. O que é a felicidade, talvez não saibamos dizer muito bem. O que é Deus, também será pouco provável que o saibamos dizer. Mas não reduzamos tudo à nossa ignorância.
 
 
 
 
 

“BOLA BAIXA E MÍSERAS MANHAS”

Tribunais portugueses já foram condenados pelo Tribunal Europeu para os
Direitos Humanos, por ajuizarem contra o direito à liberdade de expressão.
Parece, portanto, que os direitos políticos, obtidos com o 25 de Abril pelos
portugueses, terão de ser assegurados por entidades supra-nacionais.
A liberdade de expressão resulta, entre outras, da crença na igualdade de
direitos entre cidadãos, e da crença na superioridade da razão humana. As
organizações que detêm o poder legítimo não devem recear as opiniões
divergentes, mas a falta de razão que possa descredibilizar as suas.
Todavia, a tradição portuguesa de exercício do poder não é crente, nem na
igualdade entre cidadão, nem na superioridade da razão, para dirimir
conflitos de opinião. Não há, de acordo com essa tradição, motivos para
espanto, se uma Organização do Estado destituir, de funções técnicas de
coordenação de um seu serviço, alguém que se atreva a criticar critérios e
procedimentos da Administração Pública. Foi o que aconteceu, por ter
publicado, em duas cartas ao director do "Público", a minha opinião sobre os
critérios e procedimentos que presidem ao concurso para os quadros da
educação especial.
Como diz Inês Pedrosa ("Única", 22-04-06), "Portugal é um país de bola baixa
e míseras manhas." Neste mês de Abril, não me apetece reclamar e não
reclamo, mas dá-me ganas de denunciar e denuncio.

Comunicado do Fórum de Estudos de Educação Inclusiva sobre o acórdão do STJ

1. Como todos os órgãos de soberania, os Tribunais são susceptíveis de apreciação dos seus actos pelos cidadãos. O acórdão do STJ sobre os maus-tratos em jovens com deficiência mental, é um documento incompetente, arrogante e retrógrado

2. É incompetente porque decide em matérias sobre Educação sem abonar qualquer consultoria ou base concreta que possa informar a justeza da decisão. A Educação é uma área científica séria e não basta ter sido aluno para a dominar. É arrogante porque se permite invocar teorias científicas em abono da sua perspectiva que são anacrónicas. Há muito que a punição é identificada como perniciosa gerando medo em lugar de aprendizagem. Arrogante ainda porque promove o seu pensamento a conhecimento científico. Por fim, é retrógrado porque, para além de fazer a apologia de perspectivas educacionais arcaicas e cruéis, proporciona justificação a uma violação de direitos da criança, incentivando obviamente a impunidade de futuros prevaricadores

3. O Fórum de Estudos de Educação Inclusiva manifesta-se veementemente contra o pensamento expresso neste acórdão. Não precisamos de castigos corporais, precisamos antes que o poder judicial seja moderno, informado e que promova equidade; precisamos de promover mais a Inclusão de alunos com condições de deficiência (talvez este desgraçado caso talvez não se tivesse passado se estes alunos pertencessem a uma escola regular), precisamos proclamar que a qualidade de vida se avalia pela forma como os países tratam os seus membros mais desprotegidos.

4. Este documento lembra-nos que não temos democracia a mais, nem direitos a mais, nem a educação a mais; pelo contrário: continuamos a precisar de uma luta tenaz e persistente para que direitos tão simples quanto o de uma educação inclusiva e de qualidade para todos seja possível no início do sec. XXI.

Lisboa, 13 de Abril de 2006

Fórum de Estudos de Educação Inclusiva
(www.fmh.utl.pt/feei)

JUSTIÇA

"A justiça é a virtude primeira das instituições sociais, tal como a verdade o é para os sistemas de pensamento. Uma teoria, por mais elegante ou parcimoniosa que seja, deve ser rejeitada ou alterada se não for verdadeira; da mesma forma, as leis e as instituições, não obstante o serem eficazes e bem concebidas, devem ser reformadas ou abolidas se forem injustas.
Cada pessoa beneficia de uma inviolabilidade que decorre da justiça, a qual nem sequer em benefício do bem-estar da sociedade (ou da Organização) como um todo poderá ser eliminada. Por esta razão, a justiça impede que a perda da liberdade para alguns seja justificada pelo facto de outros passarem a partilhar um bem maior. Não permite que os sacrifícios impostos a uns poucos sejam compensados pelas vantagens usufruídas por uma maior número. Assim sendo, numa sociedade justa a igualdade de liberdades e direitos entre os cidadãos é considerada como definitiva; os direitos garantidos pela justiça não estão dependentes da negociação política ou do cálculo dos insteresses sociais. (…)
Sendo as virtudes primeiras da actividade humana, a verdade e a justiça não podem ser objecto de qualquer compromisso." John Rawls, A theory of Justice, 1971, Harvard University Press.

A PESSEGADA CONTINUA

Afinal para quem pensava que não iria haver mais
alterações aos concursos, acabou de sair o Anexo IV com mais cursos que
conferem especialização. Estão lá os CESES das ESES e outros que, de facto,
saltava à vista não terem aparecido.
Para quem não queria fazer mais alterações
com o concurso a decorrer não está nada mal. Já lá vai mais um anexo.
Agora, como os prazos acabaram, os beneméritos vão possibilitar às pessoas
o acesso aos seus boletins para actualizar a sua canidatura, caso tenham sido
prejudicados pela incompetência de quem organizou esta coisa.
Continuam a faltar os mestrados e doutoramentos,
mas enquanto houver ANEXOS há esperança.
Nada como um país onde a competência está sempre
em lugares de topo.
Vejam o anexo IV em:

VOCAÇÃO SALAZARENTA

Os dirigentes sindicais dos sindicatos de professores, em Portugal, têm o seu ordenado, pontualmente pago pelo Estado.
Salazar fazia o mesmo, mas não se atrevia a ir tão longe: limitou-se a criar um regime corporativo controlado pelo Estado, sem nunca lhe chamar sindicato dos trabalhadores.
Não nos admiremos, portanto, que alguns dirigentes sindicais sobrevivam na promicsuidade com o poder.
Sobretudo não nos admiremos que desempenhem a sua tarefa ultra-digna, utilizando meios muito típicos da sua vocação salazarenta.
Jorge Barbosa