JUSTIÇA DISTRIBUTIVA

Justiça distributiva
Harry Gensler
John Carroll University, Cleveland, USA

Como
devem ser distribuídos os bens numa sociedade? […] Serão consideradas
aqui três perspectivas — primeiro o utilitarismo, e depois as
perspectivas não consequencialistas de John Rawls e Robert Nozick.


O
utilitarismo clássico diz que deves maximizar o prazer em detrimento da
dor. Se a nossa acção maximiza o bem, não importa se a distribuição do
bem é igual ou desigual. Logo, o utilitarismo justifica em princípio um
grande fosso entre ricos e pobres.


Todavia, os utilitaristas
afirmam que na prática a sua perspectiva prefere uma distribuição mais
igual. Considera uma pequena sociedade de ilhéus constituída por duas
famílias. A família rica ganha 100 000 euros por ano e tem bens em
abundância; a família pobre ganha 5 000 e confronta-se com a
possibilidade de passar fome. Supõe que 2 500 euros da família rica vão
para a família pobre. A família pobre beneficiaria enormemente, e a
família rica dificilmente sentiria a falta desse dinheiro. A razão para
isto é a diminuição da utilidade marginal do dinheiro; à medida que
enriquecemos, cada euro extra faz menos diferença no nosso bem-estar.
Passar de 100 000 euros para 97 500 não faz diferença, mas passar de 5
000 para 7 500 euros faz uma grande diferença. Assim, argumentam os
utilitaristas, uma certa quantidade de riqueza tende a produzir mais
felicidade total se for repartida mais imparcialmente. A nossa
sociedade de ilhéus provavelmente maximizaria a sua felicidade total se
ambas as famílias partilhassem igualitariamente a riqueza.


Apesar
de parecer sensato, os não consequencialistas têm dúvidas em relação a
isto. Se uma família retira mais prazer do que outra de uma certa
quantidade de dinheiro, deveria por isso ter mais dinheiro (uma vez que
isto maximizaria o prazer total)? Será isso justo? E mesmo que o
utilitarismo conduza a juízos correctos sobre a igualdade, será que o
faz pelas razões certas? É a igualdade boa, não em si, mas meramente
porque produz o maior total de felicidade?


John Rawls propôs uma
influente abordagem não consequencialista à justiça. Como podemos
decidir o que é justo? Rawls sugere que a pergunta a fazer é esta: que
regras mereceriam o nosso acordo em certas condições hipotéticas (a
posição original)? Imagina que somos livres, lúcidos e conhecemos todos
os factos relevantes — mas não conhecemos o nosso lugar na sociedade
(se somos ricos ou pobres, negros ou brancos, de sexo feminino ou
masculino). A limitação do conhecimento tem o objectivo de assegurar a
imparcialidade. Por exemplo, se não sabemos qual é a nossa raça, não
podemos manipular as regras para favorecer uma raça e prejudicar
outras. As regras de justiça são as regras que mereceriam o nosso
acordo nestas condições de imparcialidade.


Que regras mereceriam
o nosso acordo na posição original? Rawls argumenta que escolheríamos
estes dois princípios básicos de justiça (e cuja formulação
simplifiquei):


* Princípio da liberdade igual: A sociedade deve
assegurar a maior liberdade para cada pessoa compatível com uma
liberdade igual para todos os outros.

* Princípio da diferença: A
sociedade deve promover uma distribuição igual de riqueza, excepto se
as desigualdades servirem como incentivo para benefício de todos
(incluindo os menos favorecidos) e estiverem abertas a todos numa base
igual.


O princípio da liberdade igual assegura coisas como
liberdade de religião e liberdade de expressão. Rawls diz que tais
direitos não podem ser violados a favor da utilidade social. O
princípio da diferença é acerca da distribuição de riqueza. Na posição
original poderíamos sentir-nos atraídos pela perspectiva igualitária
segundo a qual todos deveriam ter exactamente a mesma riqueza. Mas
desse modo a sociedade estagnaria, uma vez que as pessoas teriam poucos
incentivos para fazerem coisas difíceis (como tornarem-se médicos ou
inventores) que acabam por beneficiar todas as pessoas. Por isso,
preferiríamos uma regra que permite incentivos.


De uma maneira
geral, todos teriam a mesma riqueza numa sociedade rawlsiana — excepto
para desigualdades (como pagar mais a médicos) que são justificadas
como incentivos que acabam por beneficiar todas as pessoas, e que estão
abertas a todos numa base igual.


Robert Nozick é o crítico mais
duro do princípio da diferença de Rawls. A perspectiva que propõe é a
da titularidade das posses justas. Esta perspectiva diz que tudo o que
ganhas honestamente através do teu esforço e de acordos justos é teu.
Se alguém ganhou legitimamente o que tem, então a distribuição que daí
resulta é justa — independentemente de poder ser desigual. Ainda que
outros tenham muito menos, ninguém tem o direito de se apropriar das
tuas posses. Esquemas (como taxas diferenciadas de impostos) que forçam
a redistribuição de riqueza são errados porque violam o teu direito à
propriedade. Roubam o que é teu para dar a outros.


Quanto devem
ganhar os médicos? Segundo Nozick, devem ganhar seja o que for que
ganhem legitimamente. Numa sociedade podem ganhar praticamente o mesmo
que qualquer outra pessoa; noutra, podem ganhar grandes somas de
dinheiro. Nos dois casos, são titulares do que ganham — e qualquer
esquema que lhes retire os seus ganhos para ajudar outros é injusto.


Que
perspectiva devemos preferir, a de Rawls ou a de Nozick? Se apelarmos a
intuições morais, ficaremos num impasse; as intuições de justiça social
estão de acordo com Rawls, enquanto as intuições libertárias estão de
acordo com Nozick. Contudo, eu afirmaria que a consistência racional
favorece algo de parecido com a perspectiva de Rawls. Imagina uma
sociedade organizada segundo a concepção de mercado livre de Nozick e
na qual, depois de várias gerações, há um grande fosso entre ricos e
pobres. Aqueles que nasceram numa família rica são ricos, e aqueles que
nasceram numa família pobre sujeitam-se a uma pobreza que não podem
vencer. Imagina que tu e a tua família sofrem desta pobreza. Se
estiveres nesta situação, poderás desejar que os princípios de Nozick
sejam seguidos?


Harry Gensler

Extraído de Ethics: A contemporary introduction, de Harry Gensler (Routledge, 1998

SORRISO AMARELO

NA RTP2, ONTEM DIA 29 DE MAIO, TIVE OPORTUNIDADE DE VER UM PROGRAMA FRANCÊS SOBRE O PARTIDO COMUNISTA CHINÊS.
MARX NUNCA CRITICOU A DEMOCRACIA; CRITICOU, ISSO SIM, A ECONOMIA DE MERCADO E O CAPITALISMO. O PARTIDO COMUNISTA CHINÊS OPÕE-SE A QUALQUER FORMA DE REGIME DEMOCRÁTICO E DEFENDE A ECONOMIA DE MERCADO E O CAPITALISMO.
MESMO ASSIM, CONSIDERA-SE MARXISTA.
UM DOS SEUS DIRIGENTES, ENTREVISTADO NESSE PROGRAMA, ARGUMENTA BRILHANTEMENTE: A EXPLORAÇÃO DO HOMEM PELO HOMEM É INDISPENSÁVEL PARA QUE A POSSAMOS COMBATER. ARGUMENTO ESPECTACULAR, NÃO HAJA DÚVIDAS.
NA RTP1, O CONJUNTO HABITUAL DE COMENTADORES DA ECONOMIA PORTUGUESA, NO MESMO DIA, VEIO DEFENDER, COM MENOS BRILHANTISMO E DE FORMA MENOS ASSUMIDA, QUE PARA RECUPERAR PORTUGAL É PRECISO PRIMEIRO MANDÁ-LO BEM AO FUNDO. PARA COMBATER A MISÉRIA, É INDISPENSÁVEL QUE ELA EXISTA, DIRIA UM CHINÊS. A MISÉRIA É, POR ISSO, INDISPENSÁVEL À POLÍTICA E AOS POLÍTICOS.
TEMOS MUITO PARA APRENDER. MAS PARA APRENDER, PELOS VISTOS, TEMOS DE SER BURROS. PELA PARTE QUE ME TOCA, DESISTO: NÃO QUERO SER BURRO, RECUSO-ME A APRENDER.

SORRISO AMAREL0

NA RTP2, ONTEM DIA 29 DE MAIO, TIVE OPORTUNIDADE DE VER UM PROGRAMA FRANCÊS SOBRE O PARTIDO COMUNISTA CHINÊS.
MARX NUNCA CRITICOU A DEMOCRACIA; CRITICOU, ISSO SIM, A ECONOMIA DE MERCADO E O CAPITALISMO. O PARTIDO COMUNISTA CHINÊS OPÕE-SE A QUALQUER FORMA DE REGIME DEMOCRÁTICO E DEFENDE A ECONOMIA DE MERCADO E O CAPITALISMO.
MESMO ASSIM, CONSIDERA-SE MARXISTA.
UM DOS SEUS DIRIGENTES, ENTREVISTADO NESSE PROGRAMA, ARGUMENTA BRILHANTEMENTE: A EXPLORAÇÃO DO HOMEM PELO HOMEM É INDISPENSÁVEL PARA QUE A POSSAMOS COMBATER. ARGUMENTO ESPECTACULAR, NÃO HAJA DÚVIDAS.
NA RTP1, O CONJUNTO HABITUAL DE COMENTADORES DA ECONOMIA PORTUGUESA, NO MESMO DIA, VEIO DEFENDER, COM MENOS BRILHANTISMO E DE FORMA MENOS ASSUMIDA, QUE PARA RECUPERAR PORTUGAL É PRECISO PRIMEIRO MANDÁ-LO BEM AO FUNDO. PARA COMBATER A MISÉRIA, É INDISPENSÁVEL QUE ELA EXISTA, DIRIA UM CHINÊS. A MISÉRIA É, POR ISSO, INDISPENSÁVEL À POLÍTICA E AOS POLÍTICOS.
TEMOS MUITO PARA APRENDER. MAS PARA APRENDER, PELOS VISTOS, TEMOS DE SER BURROS. PELA PARTE QUE ME TOCA, DESISTO: NÃO QUERO SER BURRO, RECUSO-ME A APRENDER.

O CHIQUEIRO DO PODER

Na Administração do Estado, encontramos com muita frequência dirigentes que fazem do seu local de trabalho um chiqueiro. Constróem uma rede a toda a volta para que, no chiqueiro, só entrem os que, como eles, comem das próprias fezes.
Entende-se, por isso, por que razão, quando falam, em cada dez ideias que apresentam, nove são de auto-elogio e a décima é para dizer que têm muito trabalho.
Esses dirigentes trabalham aos pares, como convém, e de cada par se diz que se entende até de olhos fechados. Manda, no entanto, a natureza que de duas pesoas que se entendam de olhos fechados, uma os tenha bem abertos.
O chiqueiro é a sua Matrix. Estão incubados e, embora durmam a ponto de ressonar, têm o cérebro ligado a uma máquina que lhes diz qual a verdade em que devem acreditar. Para eles, a realidade é um conjunto de inputs que a máquina transmite ao seu cérebro adormecido.
Sejamos tolerantes: esses dirigentes não merecem que os critiquemos; eles são as principais vítimas daquilo que fazem, uma vez que é disso que se alimentam.

O FANATISMO PARTIDÁRIO É TÃO IDIOTA COMO QUALQUER OUTRO

O Ministério da Educação está empenhado em reorganizar a educação especial. Com esse propósito, dizem os seus responsáveis, foram tomadas medidas novas muito corajosas e de efeitos estruturantes. Acreditam esses responsáveis que com estas novas medidas finalmente as coisas vão melhorar.
Como portugueses, devemos esperar e trabalhar para que as coisas melhorem mesmo. Mas quem acreditar que essa melhoria pode resultar das novas medidas, engana-se redondamente. Muito simplesmente porque essas medidas não são novas.
Vejamos:
  1. A centração da educação especial nas escolas – esta medida tem nove anos de idade. Na verdade, os cerca de 7000 professores de educação especial já são colocados nas escolas, na dependência orgânica directa dos Órgãos de Gestão das Escolas desde 1997, em todo o país.
  2. Equipas de educação especial nas escolas – esta medida tem 8 anos. O documento de 1998 sobre a Gestão já criou essas equipas, que são designadas de Núcleos deApoio Educativo e que são integradas nos Serviços Especializados de Apoio Educativo. Na verdade, os Núcleos deApoio Educativo são constituídos pelo conjunto dos docentes de educação especial, colocados nas escolas.
  3. Separação dos "Apoios Educativos" da Educação Especial – esta medida tem barbas de mais de cem anos. Em Portugal tem uma história de mais de 20 anos. O Congresso de Salamanca, de cujas conclusões o Estado Português é um subscritor, promovido pela ONU – UNESCO, superou essa dicotomia entre o movimento de escola para todos que era para todos menos para os deficientes, e o movimento de integração escolar que era para os deficientes mas não era para todos os desintegrados.
  4. Crédito horário para apoio educativo no 1º Ciclo – esta é uma medida com 2 anos; é do tempo do Governo de Durão Barroso e do Secretário de Estado Abílio Morgado, só que, na altura, dizia-se "apoio sócio-educativo". A fórmula é a mesma.

As medidas novas são a extinção das ECAEs e criação do quadro dos Grupo de Docência da Educação Especial.

As escolas, que colaboraram intimamente com as ECAEs, conseguiram assumir a responsabilidade da gestão dos docentes de educação especial, promovendo portanto a centração funcional da educação especial na escola. Aquelas, que entenderam que as ECAEs eram tão só um empecilho, não assumiram a centração funcional da educação especial na escola. As ECAEs, como instrumentos da Administração, foram, pelo menos na Região Norte (aquela que conheço), um factor importante de mudança positiva da postura das escolas face à educação especial.

A criação de quadros da educação especial, neste contexto de retrocesso ideológico e político, é um obstáculo à educação inclusiva.

Em suma, podemos dizer que as novas medidas na área da educação especial e o conjunto da "reforma" (manutenção de medidas antigas) nesta área correspondem a uma postura anarco-sindicalista delirante.

Vejamos mais em pormenor:

  1. Estas medidas rasgam o compromisso político do Estado Português com a declaração de Salamanca, ao estabelecer contextos diferenciados para os apoios educativos e educação especial; Portugal é um dos países signatários desta declaração tal como o é do Acordo de Quioto, por exemplo. Já sabemos que o contexto da educação especial é a escola, como dizem os reformadores; Que contexto será o dos apoios educativos?
  2. O Estado Português assume, com estas medidas, a destruição de equipas desconcentradas da Administração Educativa, confundindo esta destruição com autonomização da Escola. Em lugar de as reestruturar e redimensinar para novos desafios, extingue-as, sem sequer se preocupar em revogar o Despacho que as cria. Esta extinção e a ausência de reorganização dessas equipas locais atenta também contra a Declaração de Salamanca.
  3. A distinção dos ditos contextos dos apoios educativos e da educação especial é contra a legislação em vigor ainda não revogada (Despacho conjunto nº 105/97), para além de ser um retrocesso de mais de 20 anos.
  4. É destruida a estrutura da educação especial, sem que seja definido qualquer plano de curto, médio ou longo prazo para a reorganizar;
  5. Cria-se um quadro de educação especial, cujas condições de acesso antagonizam a formação profissional dos docentes
  6. Os fundamentos e diagnósticos apresentados resultam de estudos mal feitos e com dados errados, como os que apontam para um aumento constante de recursos docentes afectos ao apoio educativo, mau grado a decisão dos políticos de impedir (com sucesso) esse aumento ; ou para um aumento de 10 000 alunos deficientes sinalizados, como se esta sinalização tenha tido qualquer impacto na organização da educação especial, etc.
  7. Confunde-se autonomia da escola com demissão da Administração Educativa e portanto com a transformação das escolas em balcões, de atendimento ao público, do Ministério da Educação.
  8. Diz-se sem qualquer pudor que a criação dos quadros de educação especial corresponde à satisfação de uma velha reivindicação dos professores (leia-se: direcções dos sindicatos), como se de moeda de troca se tratasse para não ceder em outras reivindicações, porventura mais importantes.

Mais grave ainda: as críticas, que se produzam a este respeito, são tratadas como falta de lealdade à "organização", numa onda totalitarista que se julgava arredada do panorama político português.
Dirigentes de baixa condição combatem, com intrigas e maledicência, pelo poder, competindo para determinar qual deles é, do ponto de vista partidário, mais fundamentalista.
Vestem a camisola do clube e não conseguem ajudá-lo a ganhar os jogos; mesmo que o clube esteja a jogar mal, é o melhor do mundo. E quem disser o contrário arrisca-se a ser empurrado pela bancada abaixo.
Alguns puseram o cachecol só para mostrar o seu desportivismo; nunca foram do clube, mas agora são, porque o clube está a defrontar inimigos da ordem pública e sobretudo porque querem ver o jogo de cima.
O fundamentalismo partidário cega o Governo, levando-o a convencer-se de que não há outra solução que não seja a sua, e é tão irracional como qualquer outro fundamentalismo. Os partidários fundamentalistas do governo deviam ser colocados em prisão preventiva, para não continuarem a violar os direitos à liberdade dos outros.
Calados, esses fundamentalistas seriam muito mais úteis e a olhar para as nuvens, embasbacados como os parolos, seriam mais inteligentes.
O País e o Governo só tinham a ganhar com uma postura útil e inteligente desses fundamentalistas.


CONVITE (TODOS PODEM INSCREVER-SE)

Evaluation des intérêts

Vendredi 9 juin 2006 de 9h30 à 12h

Les ECPA ont le plaisir de vous inviter à une présentation de l’EVI :
« Epreuve visuelle d’intérêts » animée par son auteur, Jean Claude Sontag.

L’EVI est un logiciel d’aide à l’orientation scolaire et
professionnelle, basé sur l’exploration visuelle des intérêts. Son
utilisation est particulièrement indiquée pour des sujets maîtrisant
mal le français, et ce d’autant plus que les consignes sont lues dans
25 langues différentes.

Pour vous inscrire à cette présentation, contactez Sybille Michelet au
01 40 09 62 64 ou à l’adresse suivante : smichelet@ecpa.fr.

Nous serons heureux de vous accueillir aux ECPA, 25 rue de la Plaine,
Paris 20ème.

GUIÃO PARA FICÇÃO

O aumento imparável do preço do petróleo terá seguramente consequências a médio e longo prazos. Todavia, não é líquido que essas consequências não resultem de derivações mais ou menos autónomas entre si.
Então poderíamos perspectivar as coisas deste modo, para uma obra de ficção:
1. Sendo o carvão uma fonte de energia muito mais abundante na natureza do que o gás natural, e tendo características energéticas que permitem uma utilização eficaz em quase todas as situações, actualmente suportadas pelo petróleo, a primeira alteração terá a ver com o retorno à exploração das minas de carvão.
2. Esta nova realidade colocará o Ocidente na situação de retorno a condições sociais e económicas de uma certa degradação, por lhe ser necessário, de novo, voltar à exploração, no seu território, de matérias primas, cujos custos terão de ser compensadores.
3. Por outro lado, a investigação científica encontrará novos condutores de energia, o que permitirá uma economia de cerca de 40% na sua distribuição. Desta descoberta resultarão enormes fortunas, ligadas à produção dos novos condutores de energia eléctrica. No entanto, só será possível substituir os antigos em zonas privilegiadas. Esta solução aumentará as desigualdades de uma forma nunca antes vista.
4. Assim, em lugar de assistirmos a um aumento permanente do preço do petróleo e das restantes fontes de energia, o controlo de preços será assegurado pelo sistema político. A energia deixará de ser simplesmente um bem acessível a todos, passando os seus beneficiários a ser escolhidos por critérios políticos.
5. Emergem um pouco por todo o lado novos regimes ditatoriais, para impor novas de regras de acesso à energia.
6. Os serviços mais afectados serão os que suportam a mobilidade dos cidadãos. Na maior parte das situações, a mobilidade será exclusivamente garantida por meios naturais: transporte puxado por animais, por exemplo.
7. A ausência de meios físicos de mobilidade aguçará a imaginação: a mobilidade (turismo, deslocações para o trabalho, etc.) será sobretudo virtual. Os meios informáticos serão então indispensáveis à sobrevivência. O comércio virtual organizar-se-á de forma a assegurar a continuidade das diferenças de estatuto sócio-económico actuais.
8. Progressivamente, as grandes cidades desertificar-se-ão. Nelas residirão exclusivamente marginais que, por falta de meios ou por incapacidade para compreender as mudanças em curso, sobreviverão em condições infra-humanas.
9. Novas realidades sociais emergirão, sobretudo centradas em pequenas comunidades que restaurarão modalidades arcaicas de solidariedade.
10. Perder-se-á a noção de país e de nação; restarão as noções de comunidade e de poder global anónimo.
11. Surgirão novas religiões para enquadrar, do ponto de vista moral, a nova ordem social. Essas novas religiões serão politeístas e panteístas.

A INCLUSÃO NA EDUCAÇÃO

Todas as crianças são bem-vindas à escola

 

Maria Teresa Eglér Mantoan
Universidade Estadual de Campinas / Unicamp
Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Reabilitação de Pessoas com Deficiência – LEPED/ FE/ Unicamp

 

A inclusão é uma inovação, cujo sentido tem sido muito distorcido e um movimento muito polemizado pelos mais diferentes segmentos educacionais e sociais. No entanto, inserir alunos com déficits de toda ordem, permanentes ou temporários, mais graves ou menos severos no ensino regular nada mais é do que garantir o direito de todos à educação – e assim diz a Constituição !

Inovar não tem necessariamente o sentido do inusitado. As grandes inovações estão, muitas vezes na concretização do óbvio, do simples, do que é possível fazer, mas que precisa ser desvelado, para que possa ser compreendido por todos e aceito sem outras resistências, senão aquelas que dão brilho e vigor ao debate das novidades.

O objetivo de nossa participação neste evento é clarear o sentido da inclusão, como inovação, tornando-o compreensível, aos que se interessam pela educação como um direito de todos, que precisa ser respeitado. Pretendemos, também demonstrar a viabilidade da inclusão pela transformação geral das escolas, visando a atender aos princípios deste novo paradigma educacional.

Para descrever o nosso caminho na direção das escolas inclusivas vamos focalizar nossas experiências, no cenário educacional brasileiro sob três ângulos : o dos desafios provocados por essa inovação, o das ações no sentido de efetivá-la nas turmas escolares, incluindo o trabalho de formação de professores e, finalmente o das perspectivas que se abrem à educação escolar, a partir de sua implementação.

 

UMA EDUCAÇÃO PARA TODOS

O princípio democrático da educação para todos só se evidencia nos sistemas educacionais que se especializam em todos os alunos, não apenas em alguns deles, os alunos com deficiência. A inclusão, como consequência de um ensino de qualidade para todos os alunos provoca e exige da escola brasileira novos posicionamentos e é um motivo a mais para que o ensino se modernize e para que os professores aperfeiçoem as suas práticas. É uma inovação que implica num esforço de atualização e reestruturação das condições atuais da maioria de nossas escolas de nível básico.

O motivo que sustenta a luta pela inclusão como uma nova perspectiva para as pessoas com deficiência é, sem dúvida, a qualidade de ensino nas escolas públicas e privadas, de modo que se tornem aptas para responder às necessidades de cada um de seus alunos, de acordo com suas especificidades, sem cair nas teias da educação especial e suas modalidades de exclusão.

O sucesso da inclusão de alunos com deficiência na escola regular decorre, portanto, das possibilidades de se conseguir progressos significativos desses alunos na escolaridade, por meio da adequação das práticas pedagógicas à diversidade dos aprendizes. E só se consegue atingir esse sucesso, quando a escola regular assume que as dificuldades de alguns alunos não são apenas deles, mas resultam em grande parte do modo como o ensino é ministrado, a aprendizagem é concebida e avaliada. Pois não apenas as deficientes são excluídas, mas também as que são pobres, as que não vão às aulas porque trabalham, as que pertencem a grupos discriminados, as que de tanto repetir desistiram de estudar.

 

OS DESAFIOS

Toda criança precisa da escola para aprender e não para marcar passo ou ser segregada em classes especiais e atendimentos à parte. A trajetória escolar não pode ser comparada a um rio perigoso e ameaçador, em cujas águas os alunos podem afundar. Mas há sistemas organizacionais de ensino que tornam esse percurso muito difícil de ser vencido, uma verdadeira competição entre a correnteza do rio e a força dos que querem se manter no seu curso principal.

Um desses sistemas, que muito apropriadamente se denomina "de cascata", prevê a exclusão de algumas crianças, que têm déficits temporários ou permanentes e em função dos quais apresentam dificuldades para aprender. Esse sistema contrapõe-se à melhoria do ensino nas escolas, pois mantém ativo, o ensino especial, que atende aos alunos que caíram na cascata, por não conseguirem corresponder às exigências e expectativas da escola regular. Para se evitar a queda na cascata, na maioria das vezes sem volta, é preciso remar contra a correnteza, ou seja, enfrentar os desafios da inclusão : o ensino de baixa qualidade e o subsistema de ensino especial, desvinculadae justaposto ao regular.

Priorizar a qualidade do ensino regular é, pois, um desafio que precisa ser assumido por todos os educadores. É um compromisso inadiável das escolas, pois a educação básica é um dos fatores do desenvolvimento econômico e social. Trata-se de uma tarefa possível de ser realizada, mas é impossível de se efetivar por meio dos modelos tradicionais de organização do sistema escolar.

Se hoje já podemos contar com uma Lei Educacional que propõe e viabiliza novas alternativas para melhoria do ensino nas escolas, estas ainda estão longe, na maioria dos casos, de se tornarem inclusivas, isto é, abertas a todos os alunos, indistinta e incondicionalmente. O que existe em geral são projetos de inclusão parcial, que não estão associados a mudanças de base nas escolas e que continuam a atender aos alunos com deficiência em espaços escolares semi ou totalmente segregados (classes especiais, salas de recurso, turmas de aceleração, escolas especiais, os serviços de itinerância).

As escolas que não estão atendendo alunos com deficiência em suas turmas regulares se justificam, na maioria das vezes pelo despreparo dos seus professores para esse fim. Existem também as que não acreditam nos benefícios que esses alunos poderão tirar da nova situação, especialmente os casos mais graves, pois não teriam condições de acompanhar os avanços dos demais colegas e seriam ainda mais marginalizados e discriminados do que nas classes e escolas especiais.

Em ambas as circunstâncias, o que fica evidenciado é a necessidade de se redefinir e de se colocar em ação novas alternativas e práticas pedagógicas, que favoreçam a todos os alunos, o que, implica na atualização e desenvolvimento de conceitos e em aplicações educacionais compatíveis com esse grande desafio.

Muda então a escola ou mudam os alunos, para se ajustarem às suas velhas exigências ? Ensino especializado em todas as crianças ou ensino especial para deficientes? Professores que se aperfeiçoam para exercer suas funções, atendendo às peculiaridades de todos os alunos, ou professores especializados para ensinar aos que não aprendem e aos que não sabem ensinar?

 

AS AÇÕES

Visando os aspectos organizacionais

Ao nosso ver é preciso mudar a escola e mais precisamente o ensino nelas ministrado. A escola aberta para todos é a grande meta e, ao mesmo tempo, o grande problema da educação na virada do século.

Mudar a escola é enfrentar uma tarefa que exige trabalho em muitas frentes. Destacaremos as que consideramos primordiais, para que se possa transformar a escola , em direção de um ensino de qualidade e, em consequência, inclusivo.

Temos de agir urgentemente:

  • colocando a aprendizagem como o eixo das escolas, porque escola foi feita para fazer com que todos os alunos aprendam;
  • garantindo tempo para que todos possam aprender e reprovando a repetência;
  • abrindo espaço para que a cooperação, o diálogo, a solidariedade, a criatividade e o espírito crítico sejam exercitados nas escolas, por professores, administradores, funcionários e alunos, pois são habilidades mínimas para o exercício da verdadeira cidadania;
  • estimulando, formando continuamente e valorizando o professor que é o responsável pela tarefa fundamental da escola – a aprendizagem dos alunos;
  • elaborando planos de cargos e aumentando salários, realizando concursos públicos de ingresso, acesso e remoção de professores.

Que ações implementar para que a escola mude ?

Para melhorar as condições pelas quais o ensino é ministrado nas escolas, visando, universalizar o acesso, ou seja, a inclusão de todos, incondicionalmente, nas turmas escolares e democratizar a educação, sugerimos o que, felizmente, já está ocorrendo em muitas redes de ensino, verdadeiras vitrines que expõem o sucesso da inclusão.

A primeira sugestão para que se caminhe para uma educação de qualidade é estimular as escolas para que elaborem com autonomia e de forma participativa o seu Projeto Político Pedagógico, diagnosticando a demanda, ou seja, verificando quantos são os alunos, onde estão e porque alguns estão fora da escola.

Sem que a escola conheça os seus alunos e os que estão à margem dela, não será possível elaborar um currículo escolar que reflita o meio social e cultural em que se insere. A integração entre as áreas do conhecimento e a concepção transversal das novas propostas de organização curricular consideram as disciplinas acadêmicas como meios e não fins em si mesmas e partem do respeito à realidade do aluno, de suas experiências de vida cotidiana, para chegar à sistematização do saber.

Como essa experiência varia entre os alunos, mesmo sendo membros de uma mesma comunidade, a implantação dos ciclos de formação é uma solução justa, embora ainda muito incompreendida pelos professores e pais, por ser uma novidade e por estar sendo ainda pouco difundida e aplicada pelas redes de ensino. De fato, se dermos mais tempo para que os alunos aprendam, eliminando a seriação, a reprovação, nas passagens de um ano para outro, estaremos adequando o processo de aprendizagem ao ritmo e condições de desenvolvimento dos aprendizes – um dos princípios das escolas de qualidade para todos

Por outro lado, a inclusão não implica em que se desenvolva um ensino individualizado para os alunos que apresentam déficits intelectuais, problemas de aprendizagem e outros, relacionados ao desempenho escolar. Na visão inclusiva, não se segregam os atendimentos, seja dentro ou fora das salas de aula e, portanto, nenhum aluno é encaminhado à salas de reforço ou aprende, a partir de currículos adaptados. O professor não predetermina a extensão e a profundidade dos conteúdos a serem construídos pelos alunos, nem facilita as atividades para alguns, porque, de antemão já prevê q dificuldade que possam encontrar para realizá-las. Porque é o aluno que se adapta ao novo conhecimento e só ele é capaz de regular o seu processo de construção intelectual.

A avaliação constitui um outro entrave à implementação da inclusão. É urgente suprimir o caráter classificatório da avaliação escolar, através de notas, provas, pela visão diagnóstica desse processo que deverá ser contínuo e qualitativo, visando depurar o ensino e torná-lo cada vez mais adequado e eficiente à aprendizagem de todos os alunos. Essa medida já diminuiria substancialmente o número de alunos que são indevidamente avaliados e categorizados como deficientes, nas escolas regulares.

A aprendizagem como o centro das atividades escolares e o sucesso dos alunos, como a meta da escola, independentemente do nível de desempenho a que cada um seja capaz de chegar são condições de base para que se caminha na direção de escolas acolhedoras. O sentido desse acolhimento não é o da aceitação passiva das possibilidades de cada um, mas o de serem receptivas a todas as crianças, pois as escolas existem, para formar as novas gerações, e não apenas alguns de seus futuros membros, os mais privilegiados.

A inclusão não prevê a utilização de métodos e técnicas de ensino específicas para esta ou aquela deficiência. Os alunos aprendem até o limite em que conseguem chegar, se o ensino for de qualidade, isto é, se o professor considera o nível de possibilidades de desenvolvimento de cada um e explora essas possibilidades, por meio de atividades abertas, nas quais cada aluno se enquadra por si mesmo, na medida de seus interesses e necessidades, seja para construir uma idéia, ou resolver um problema, realizar uma tarefa. Eis aí um grande desafio a ser enfrentado pelas escolas regulares tradicionais, cujo paradigma é condutista, e baseado na transmissão dos conhecimentos.

O trabalho coletivo e diversificado nas turmas e na escola como um todo é compatível com a vocação da escola de formar as gerações. É nos bancos escolares que aprendemos a viver entre os nossos pares, a dividir as responsabilidades, repartir as tarefas. O exercício dessas ações desenvolve a cooperação, o sentido de se trabalhar e produzir em grupo, o reconhecimento da diversidade dos talentos humanos e a valorização do trabalho de cada pessoa para a consecução de metas comuns de um mesmo grupo.

O tutoramento nas salas de aula tem sido uma solução natural, que pode ajudar muito os alunos, desenvolvendo neles o hábito de compartilhar o saber. O apoio ao colega com dificuldade é uma atitude extremamente útil e humana e que tem sido muito pouco desenvolvida nas escolas, sempre tão competitivas e despreocupadas com a a construção de valores e de atitudes morais.

Além dessas sugestões, referentes ao ensino nas escolas, a educação de qualidade para todos e a inclusão implicam em mudanças de outras condições relativas à administração e aos papéis desempenhados pelos membros da organização escolar.

Nesse sentido é primordial que sejam revistos os papéis desempenhados pelos diretores e coordenadores, no sentido de que ultrapassem o teor controlador, fiscalizador e burocrático de suas funções pelo trabalho de apoio, orientação do professor e de toda a comunidade escolar.

A descentralização da gestão administrativa, por sua vez, promove uma maior autonomia pedagógica, administrativa e financeira de recursos materiais e humanos das escolas, por meio dos conselhos, colegiados, assembléias de pais e de alunos. Mudam-se os rumos da administração escolar e com isso o aspecto pedagógico das funções do diretor e dos coordenadores e supervisores emerge. Deixam de existir os motivos pelos quais que esses profissionais ficam confinados aos gabinetes, às questões burocráticas, sem tempo para conhecer e participar do que acontece nas salas de aula.

Visando a formação continuada dos professores

Sabemos que, no geral, os professores são bastante resistentes às inovações educacionais, como a inclusão. A tendência é se refugiarem no impossível, considerando que a proposta de uma educação para todos é válida, porém utópica, impossível de ser concretizada com muitos alunos e nas circunstâncias em que se trabalha, hoje, nas escolas, principalmente nas redes públicas de ensino.

A maioria dos professores têm uma visão funcional do ensino e tudo o que ameaça romper o esquema de trabalho prático que aprenderam a aplicar em suas salas de aula é rejeitado. Também reconhecemos que as inovações educacionais abalam a identidade profissional, e o lugar conquistado pelos professores em uma dada estrutura ou sistema de ensino, atentando contra a experiência, os conhecimentos e o esforço que fizeram para adquiri-los.

Os professores, como qualquer ser humano, tendem a adaptar uma situação nova às anteriores. E o que é habitual, no caso dos cursos de formação inicial e na educação continuada, é a separação entre teoria e prática. Essa visão dicotômica do ensino dificulta a nossa atuação, como formadores. Os professores reagem inicialmente à nossa metodologia, porque estão habituados a aprender de maneira incompleta, fragmentada e essencialmente instrucional. Eles esperam aprender uma prática inclusiva, ou melhor, uma formação que lhes permita aplicar esquemas de trabalho pré-definidos às suas salas de aulas, garantindo-lhes a solução dos problemas que presumem encontrar nas escolas inclusivas.

Em uma palavra, os professores acreditam que a formação em serviço lhes assegurará o preparo de que necessitam para se especializarem em todos os alunos, mas concebem essa formação como sendo mais um curso de extensão, de especialização com uma terminalidade e com um certificado que lhes convalida a capacidade de efetivar a inclusão escolar. Eles introjetaram o papel de praticantes e esperam que os formadores lhes ensinem o que é preciso fazer, para trabalhar com níveis diferentes de desempenho escolar, transmitindo-lhes os novos conhecimentos, conduzindo-lhes da mesma maneira como geralmente trabalham com seus próprios alunos. Acreditam que os conhecimentos que lhes faltam para ensinar as crianças com deficiência ou dificuldade de aprender por outras incontáveis causas referem-se primordialmente à conceituação, etiologia, prognósticos das deficiências e que precisam conhecer e saber aplicar métodos e técnicas específicas para a aprendizagem escolar desses alunos. Os dirigentes das redes de ensino e das escolas particulares também pretendem o mesmo, num primeiro momento, em que solicitam a nossa colaboração.

Se de um lado é preciso continuar investindo maciçamente na direção da formação de profissionais qualificados, não se pode descuidar da realização dessa formação e estar atento ao modo pelo qual os professores aprendem para se profissionalizar e para aperfeiçoar seus conhecimentos pedagógicos, assim como reagem às novidades, aos novos possíveis educacionais.

A metodologia

Diante dessas circunstâncias e para que possamos atingir nossos propósitos de formar professores para uma escola de qualidade para todos, idealizamos um projeto de formação que tem sido adotado por redes de ensino públicas e escolas particulares brasileiras, desde 1991.

Nossa proposta de formação se baseia em princípios educacionais construtivistas, pois reconhecemos que a cooperação, a autonomia intelectual e social, a aprendizagem ativa e a cooperação são condições que propiciam o desenvolvimento global de todos os alunos, assim como a capacitação e o aprimoramento profissional dos professores.

Nesse contexto, o professor é uma referência para o aluno e não apenas um mero instrutor, pois enfatizamos a importância de seu papel tanto na construção do conhecimento, como na formação de atitudes e valores do futuro cidadão. Assim sendo, a formação continuada vai além dos aspectos instrumentais de ensino.

A metodologia que adotamos reconhece que o professor, assim como o seu aluno, não aprendem no vazio. Assim sendo, partimos do "saber fazer" desses profissionais, que já possuem conhecimentos, experiências, crenças, esquemas de trabalho, ao entrar em contato com a inclusão ou qualquer outra inovação.

Em nossos projetos de aprimoramento e atualização do professor consideramos fundamental o exercício constante de reflexão e o compartilhamento de idéias, sentimentos, ações entre os professores, diretores, coordenadores da escola. Interessam-nos as experiências concretas, os problemas reais, as situações do dia-a-dia que desequilibram o trabalho, nas salas de aula. Eles são a matéria-prima das mudanças. O questionamento da própria prática, as comparações, a análise das circunstâncias e dos fatos que provocam perturbações e/ou respondem pelo sucesso vão definindo, pouco a pouco, aos professores as suas "teorias pedagógicas". Pretendemos que os professores sejam capazes de explicar o que outrora só sabiam reproduzir, a partir do que aprendiam em cursos, oficinas, palestras, exclusivamente. Incentivamos os professores para que interajam com seus colegas com regularidade, estudem juntos, com e sem o nosso apoio técnico e que estejam abertos para colaborar com seus pares, na busca dos caminhos pedagógicos da inclusão.

O fato de os professores fundamentarem suas práticas e argumentos pedagógicos no senso comum dificulta a explicitação dos problemas de aprendizagem. Essa dificuldade pode mudar o rumo da trajetória escolar de alunos que muitas vezes são encaminhados indevidamente para as modalidades do ensino especial e outras opções segregativas de atendimento educacional.

Daí a necessidade de se formarem grupos de estudos nas escolas, para a discussão e a compreensão dos problemas educacionais, à luz do conhecimento científico e interdisciplinarmente, se possível. Os grupos são organizados espontaneamente pelos próprios professores, no horário em que estão nas escolas e são acompanhados, inicialmente, pela equipe da rede de ensino, encarregada da coordenação das ações de formação. As reuniões têm como ponto de partida, as necessidades e interesse comuns de alguns professores de esclarecer situações e de aperfeiçoar o modo como trabalham nas salas de aula. O foco dos estudos está na resolução dos problemas de aprendizagem, o que remete à análise de como o ensino está sendo ministrado, pois o processo de construção do conhecimento é interativo e os seus dois lados devem ser analisados, quando se quer esclarecê-lo.

Participam dos grupos, além dos professores, o diretor da escola, coordenadores, mas há grupos que se formam entre membros de diversas escolas, que estejam voltados para um mesmo tema de estudo, como por exemplo a indisciplina, a sexualidade, a ética e a violência, a avaliação e outros assuntos pertinentes.

A equipe responsável pela coordenação da formação é constituída por professores, coordenadores, que são da própria rede de ensino, e por parceiros de outras Secretarias afins: Saúde, Esportes, Cultura. Nós trabalhamos diretamente com esses profissionais, mas também participamos do trabalho nas escolas, acompanhando-as esporadicamente, quando somos solicitados – minha equipe de alunos e eu.

Os Centros de Desenvolvimento do Professor

Algumas redes de ensino criaram o que chamamos de Centros de Desenvolvimento do Professor, os quais representam um avanço nessa nova direção de formação continuada, que estamos propondo, pois sediam a maioria das ações de aprimoramento da rede, promovendo eventos de pequeno, médio e grande porte, como workshops, seminários, entrevistas, com especialistas, fóruns e outras atividades. Sejam atendendo individualmente, como em pequenos e grandes grupos os professores, pais, comunidade. Os referidos Centros também se dedicam ao encaminhamento e atendimento de alunos que necessitam de tratamento clínico, em áreas que não sejam a escolar, propriamente dita.

Temos estimulado em todas as redes em que atuamos a criação dos centros, pois ao nosso ver, eles resumem o que pretendemos, quando nos referimos à formação continuada – um local em que o professor e toda comunidade escolar vem para realimentar o conhecimento pedagógico, além de servir igualmente aos alunos e a todos os interessados pela educação, no município.

Ao nosso ver, os cursos e demais atividades de formação em serviço, habitualmente oferecidos aos professores não estão obtendo o retorno que o investimento propõe. Temos insistido na criação desses Centros, porque a existência de seus serviços redireciona o que já é usual nas redes de ensino, ou seja, o apoio ao professor, pelos itinerantes. Não concordamos com esse suporte a alunos e professores com dificuldades, porque "apagam incêndio", agem sobre os sintomas, oferecem soluções particularizadas, locais, mas não vão à fundo no problema e suas causas. Os serviços itinerantes de apoio não solicitam o professor, no sentido de que se mobilize, de que reveja sua prática. Sua existência não obriga o professor a assumir a responsabilidade pela aprendizagem de todos os alunos, pois já existe um especialista para atender aos caso mais difíceis, que são os que justamente fazem o professor evoluir, na maneira de proceder com a turma toda. Porque se um aluno não vai bem, seja ele uma pessoa com ou sem deficiência, o problema precisa ser analisado não apenas com relação às reações dessa ou de outra criança, mas ao grupo como um todo, ao ensino que está sendo ministrado, para que os alunos possam aprender, naquele grupo.

A itinerância não faz evoluir as práticas, o conhecimento pedagógico dos professores. Ë, na nossa opinião, mais uma modalidade da educação especial que acomoda o professor do ensino regular, tirando-lhe a oportunidade de crescer, de sentir a necessidade de buscar soluções e não aguardar que alguém de fora venha, regularmente, para resolver seus problemas. Esse serviço igualmente reforça a idéia de que os problemas de aprendizagem são sempre do aluno e que ó o especialista poderá se incumbir de removê-los, com adequação e eficiência.

O tipo de formação que estamos implementando para tornar possível a inclusão implica no estabelecimento de parcerias entre professores, alunos, escolas, profissionais de outras áreas afins, Universidades, para que possa se manter ativa e capaz de fazer frente às inúmeras solicitações que essa modalidade de trabalho provoca nos interessados. Por outro lado, essas parcerias ensejam o desenvolvimento de outras ações, entre as quais a investigação educacional e em outros ramos do conhecimento. São nessas redes e a partir dessa formação que estamos pesquisando e orientando trabalhos de nossos alunos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Educação / Unicamp e onde estamos observando os efeitos desse trabalho, nas redes.

Não dispensamos os cursos, oficinas e outros eventos de atualização e de aperfeiçoamento, quando estes são reinvindicados pelo professor e nesse sentido a parceria com outros grupos de pesquisa da Unicamp e colegas de outras Universidades têm sido muito eficiente. Mas há cursos que oferecemos aos professores, que são ministrados por seus colegas da própria rede, quando estes se dispõe a oferecê-los ou são convidados por nós, ao conhecermos o valor de sua contribuição para os demais.

As escolas e professores com os quais estamos trabalhando já apresentam sintomas pelos quais podemos perceber que estão evoluindo dia -a- dia para uma Educação de qualidade para Todos. Esses sintomas podem ser resumidos no que segue:

  • reconhecimento e valorização da diversidade, como elemento enriquecedor do processo de ensino e aprendizagem;
  • professores conscientes do modo como atuam, para promover a aprendizagem de todos os alunos;
  • cooperação entre os implicados no processo educativo – dentro e fora da escola;
  • valorização do processo sobre o produto da aprendizagem;
  • enfoques curriculares, metodológicos e estratégias pedagógicas que possibilita, a construção coletiva do conhecimento.

É preciso, contudo, considerar que a avaliação dos efeitos de nossos projetos não se centram no aproveitamento de alguns alunos, os deficientes, nas classes regulares. Embora estes casos sejam objeto de nossa atenção, queremos acima de tudo saber se os professores evoluíram na sua maneira de fazer acontecer a aprendizagem nas suas salas de aula; se as escolas se transformaram, se as crianças estão sendo respeitadas nas suas possibilidades de avançar, autonomamente, na construção dos conhecimentos acadêmicos; se estes estão sendo construídos no coletivo escolar, em clima de solidariedade; se a as relações entre as crianças, pais, professores e toda a comunidade escolar se estreitaram, nos laços da cooperação, do diálogo, fruto de um exercício diário de compartilhamento de seus deveres, problemas, sucessos.

Outras alternativas de formação

Para ampliar essas parcerias estamos utilizando também as redes de comunicação à distância para intercâmbios de experiências entre alunos e profissionais da educação, pais e comunidade. Embora ainda incipiente, o Caleidoscópio – Um Projeto de Educação Para Todos é o nosso site na Internet e por meio deste hipertexto estamos trabalhando no sentido de provocar a interatividade presencial e virtual entre as escolas, como mais uma alternativa de formação continuada, que envolve os alunos, as escolas e a rede como um todo. O Caleidoscópio tem sido objeto de estudos de nossos alunos e de outras unidades da Unicamp, relacionadas à ciência da computação e está crescendo como proposta e abrindo canais de participação com a comunidade e com outras instituições que se propõe a participar do movimento inclusivo, dentro e fora das escolas.

Se pretendemos mudanças nas práticas de sala de aula, não podemos continuar formando e aperfeiçoando os professores como se as inovações só se referissem à aprendizagem dos alunos da educação infantil, da escola fundamental e do ensino médio…

 

AS PERSPECTIVAS

A escola para a maioria das crianças brasileiras é o único espaço de acesso aos conhecimentos universais e sistematizados, ou seja, é o lugar que vai lhes proporcionar condições de se desenvolver e de se tornar um cidadão , alguém com identidade social e cultural

Melhorar as condições da escola é formar gerações mais preparadas para viver a vida na sua plenitude, livremente, sem preconceitos, sem barreiras. Não podemos nos contradizer nem mesmo contemporizar soluções, mesmo que o preço que tenhamos de pagar seja bem alto, pois nunca será tão alto quanto o resgate de uma vida escolar marginalizada, uma evasão, uma criança estigmatizada, sem motivos.

A escola prepara o futuro e de certo que se as crianças conviverem e aprenderem a valorizar a diversidade nas suas salas de aula, serão adultos bem diferentes de nós, que temos de nos empenhar tanto para defender o indefensável.

A inclusão escolar remete a escola a questões de estrutura e de funcionamento que subvertem seus paradigmas e que implicam em um redimensionamento de seu papel, para um mundo que evolui a "bytes".

O movimento inclusivo, nas escolas, por mais que seja ainda muito contestado, pelo caráter ameaçador de toda e qualquer mudança, especialmente no meio educacional, é irreversível e convence a todos pela sua lógica, pela ética de seu posicionamento social.

A inclusão está denunciando o abismo existente entre o velho e o novo na instituição escolar brasileira. A inclusão é reveladora dessa distância que precisa ser preenchida com as ações que relacionamos anteriormente.

Assim sendo, o futuro da escola inclusiva está, ao nosso ver, dependendo de uma expansão rápida dos projetos verdadeiramente embuídos do compromisso de transformar a escola, para se adequar aos novos tempos.

Se hoje ainda são experiências locais, as que estão demonstrando a viabilidade da inclusão, em escolas e redes de ensino brasileiras, estas experiências têm a força do óbvio e a clareza da simplicidade e só essas virtudes são suficientes para se antever o crescimento desse novo paradigma no sistema educacional.

Não se muda a escola com um passe de mágica.

A implementação da escola de qualidade, que é igualitária, justa e acolhedora para todos, é um sonho possível.

A aparente fragilidade das pequenas iniciativas, ou seja, essas experiências locais que têm sido suficientes para enfrentar o poder da máquina educacional, velha e enferrujada, com segurança e tranquilidade. Essas iniciativas têm mostrado a viabilidade da inclusão escolar nas escolas brasileiras.

As perspectivas do ensino inclusivo são, pois, animadoras e alentadoras para a nossa educação. A escola é do povo, de todas as crianças, de suas famílias, das comunidade, em que se inserem.

Crianças, bem-vindas à uma nova escola !

 

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