O ERRO

As escolas enfrentam o chamado “desafio da diversidade”: por um lado, são chamadas a respeitar a diversidade, por outro lado, são incumbidas de assegurar o sucesso para todos os alunos. Enfrentam ainda um problema de grande magnitude que consiste precisamente no facto de as comunidades e as instituições rejeitarem liminarmente a relatividade do conceito de sucesso, sendo então a escola responsabilizada pelo respeito pela diversidade num ambiente cultural e organizacional que pratica um conceito absoluto de sucesso: o sucesso académico, na sua versão mais conservadora.

Perante a complexidade deste desafio, as soluções menos complexas e que, por isso mesmo, não lhe respondem satisfatoriamente, são soluções remediativas que se limitam a pôr em evidência a própria conflitualidade que existe entre o respeito pela diversidade e a manutenção de um conceito absoluto de sucesso escolar. Os próprios percursos curriculares alternativos, sendo uma solução para a ineficácia das estratégias de ensino e aprendizagem, são um remédio que reforça a ideia e a prática de que a diversidade se define a partir de um conceito não relativizado de sucesso escolar.

Por muito esforço que se tenha feito no sentido de retirar a Educação Especializada do conjunto de soluções remediativas, a verdade é que a indefinição das políticas nacionais e a ausência de um rumo inequivocamente centrado na construção de escolas inclusivas constituem forças antagónicas muito bem consolidadas nas práticas das escolas e até de professores de educação especial e de algumas ECAEs. Algumas correntes de pensamento académico, apesar de se afirmarem de natureza inclusiva, reforçam ainda mais esse antagonismo, integrando no conceito de educação especial muitas e diferentes modalidades de apoio supletivo, muito frequentemente, por recorrerem a traduções literais, não culturais, portanto, de textos anglo-saxónicos.

As respostas graduais às necessidades específicas dos alunos e a cultura de uma abordagem gradual na organização dos apoios educativos constituem modelos experimentados de planificação e de intervenção que superam uma boa parte das contradições, que resultam da detecção da ineficácia das estratégias remediativas e dos erros graves que se cometem, sempre que, para prevenir estratégias remediativas, se tomam medidas de educação especializada, sem uma avaliação educativa rigorosa.

Por outro lado, o modelo de abordagem gradual às necessidades educativas compatibiliza-se facilmente com uma organização do conjunto dos processos de gestão da intervenção educativa, sendo possível definir com clareza as atribuições, competências e responsabilidades dos professores, dos coordenadores dos Núcleos de Apoio Educativo, da Escola no seu todo, e dos Serviços das Direcções Regionais. Os diferentes patamares, definidos nessa abordagem, podem mesmo ser diferentemente distribuídos pelos intervenientes em diferentes circunstâncias.

Reportando-me aos estudos e publicações do “Centre for Special Needs and Studies in Inclusive Education” (CSIE – UK), divido em cinco patamares essa abordagem gradual:

1.                      Identificação – O professor ou director de turma identifica a criança com qualquer tipo de dificuldade, após terem sido promovidas oportunidades diferenciadas de aprendizagem;

2.                      Acção da Escola – Após ter informado os pais a respeito dos problemas detectados, o Coordenador dos Apoios Educativos recolhe todas as informações relevantes a respeito da criança, incluindo as dos pais; organiza com a colaboração dos seus colegas um Plano Educativo a executar pelos professores do aluno.

3.                      Acção da Escola “PLUS” – O coordenador solicita a colaboração de especialistas externos à escola para se aconselhar e propor medidas mais adequadas, ainda da responsabilidade dos professores do aluno;

4.                      Avaliação Especializada – É estudada a necessidade de uma avaliação, eventualmente conducente à elegibilidade para apoio educativo especializado;

5.                      Elegibilidade e Programa. – De acordo com a avaliação, é elaborado um Programa Educativo, identificando os intervenientes, as medidas educativas e outras que sejam consideradas necessárias.

Estes passos podem ser flexibilizados quando estamos perante alunos, cujas deficiências e limitações são de natureza muito óbvia. Em todo o caso, é retomada a exigência de abordagem gradual, sempre que um aluno com deficiência revele outras dificuldades comuns a alunos sem deficiência (por exemplo, um cego precisa de educação especializada para superar as barreiras que lhe são impostas pela cegueira, mas, tendo dificuldades de aprendizagem escolar, é sujeito ao mesmo procedimento de todos os alunos com essas dificuldades).

Do meu ponto de vista, os três primeiros patamares devem situar-se na acção exclusiva da escola e do Coordenador do Núcleo dos Apoios Educativos (CNAE); o Conselho de Acompanhamento, constituído pelos CNAE de uma zona determinada, deve ser responsável pelos dois últimos, garantindo-se aferição de critérios e cooperação entre escolas e CNAE mais experientes e escolas e CNAE menos experientes.

De acordo com a minha avaliação da situação, as Escolas, CNAE e Conselhos de Acompanhamento não possuem condições para promover programas de grande exigência e que precisam urgentemente de ser melhorados: os programas de apoio à multideficiência, ao autismo, à deficiência visual e programas de intervenção precoce e de transição para a vida adulta; outro programa, o de apoio a alunos surdos, precisa de ser sustentado de forma a continuar a evoluir em qualidade.

Estes programas devem ser dinamizados a partir de técnicos colocados em estruturas da DREN de proximidade às escolas.

Numa outra abordagem, importa também garantir o mínimo de credibilidade nas políticas de inclusão educativa, apesar dos constrangimentos e dificuldades associadas àquilo que considero ter sido uma má opção relativamente aos quadros da educação especial. Não devendo ser esta uma mera opinião ou uma crença pessoal, importa referir os dados em que me fundamento para descrer das opções seguidas.

Os dados mais objectivos são-nos fornecidos, neste domínio, pela análise comparativa de sistemas educativos europeus. Vejamos então dois modelos:

1.                     O dos países do Norte da Europa: A formação dos professores capacita-os para acompanhar os alunos dos 6 aos 16 anos. Os sistemas educativos beneficiam de poderosos elementos de racionalidade, associados a esta opção. Com efeito, qualquer professor adicional, ou sem trabalho lectivo atribuído, poderá apoiar qualquer aluno em qualquer fase da sua vida escolar, entre os 6 e os 16 anos. Logicamente, os docentes de educação especial encontram-se na mesma situação. A sua formação especializada é compatível com as exigências de formação profissional geral. Embora se compreenda a atracção deste modelo, ele só é compreensível se for um modelo para todo o sistema educativo. Sendo só para a educação especial, o modelo tem efeitos mais perniciosos do que benéficos, na medida em que desvaloriza a formação inicial do docente, potenciando práticas segregadoras, resultantes da criação de um conjunto de professores tão especiais que dispensam ser bons na área para a qual se profissionalizaram em primeira opção. Esta tendência é mais fácil de compreender, se analisarmos os sistemas que desenvolveram formações específicas para a educação especial, não coincidentes com a formação geral dos docentes.

2.                     O dos países do Centro da Europa: Neste modelo, a formação para a educação especial é distinta da formação geral de professores para a educação regular. A educação especial foi concebida como uma espécie de “nível de ensino” para o qual alguns professores eram e são ainda preparados. Não tendo preparação para trabalhar no ensino regular, estes professores só podem exercer funções no “nível de ensino” para o qual foram preparados, isto é, nas escolas especiais. Compreende-se assim a razão pela qual nesses países e também em alguns do Norte da Europa (que também desenvolveram este modelo durante um certo tempo) é indispensável discutir tanto a reconversão dos recursos das escolas especiais, para que possam cooperar com as escolas regulares. Antes de mais, esses professores especializados necessitam de ser acreditados para trabalhar em escolas regulares, ou então resta-lhes a solução de se constituírem como um conjunto de recursos externos às escolas. Este modelo, que autonomiza a formação especializada em educação especial da formação geral dos docentes é particularmente reactivo a qualquer tentativa de integração escolar e de inclusão, na medida em que práticas integradoras implicam uma desvalorização dos professores especializados. Daí, a tal necessidade de os reconverter, a que atrás se faz referência, para os capacitar para a prática da integração escolar e inclusão.

 

Do meu ponto de vista, a questão central, para o sistema educativo português, relaciona-se mais com a compatibilização da formação especializada com a formação profissional dos professores do que com qualquer outro dos aspectos. Com efeito, de nada adianta recorrer ao modelo nórdico, se isso não corresponder a uma reformulação prévia do conjunto da formação dos professores; não sendo definida esta prioridade, Portugal adopta o princípio que tantas dificuldades tem criado à implementação de políticas de integração e inclusão em alguns países europeus, isto é, o de a formação especializada em educação especial não corresponder à formação profissional para a educação regular. Pode ser que esteja enganado, mas os dados disponíveis confirmam que efectivamente quanto maior for a discrepância entre as duas formações mais difícil se torna promover políticas de inclusão.

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